Palavra Pastoral IMeL Saúde 225

22 de Junho de 2024

Ao Deus desconhecido

Na pastoral de hoje quero lhes propor um exercício! Um exercício de escuta atenta, um exercício que lhes permita relacionar o Evangelho que recebemos do Senhor, com a situação do mundo no qual vivemos. Nosso mundo está marcado por anelos profundos do coração presentes na vida daqueles que estão ao nosso redor, seja na família, na vizinhança ou no trabalho. Compartilho com vocês uma oração, mantendo em segredo (por um breve tempo), a autoria. Minha proposta é que vocês prestem atenção nos desejos do coração revelados nesta oração e façam o seguinte exercício: Imaginem uma situação na qual o autor destas palavras estivesse lendo para vocês esta oração e que, ao final da leitura, perguntasse a vocês: “podem me ajudar?” Que respostas vocês dariam?  
Eis a oração:

Ao Deus desconhecido
Antes de prosseguir em meu caminho e lançar o meu olhar para frente uma vez mais, elevo, só, minhas mãos a Ti na direção de quem eu fujo.
A Ti, das profundezas de meu coração, tenho dedicado altares festivos para que, em cada momento, Tua voz me pudesse chamar.
Sobre esses altares estão gravadas em fogo estas palavras: “Ao Deus desconhecido”.
Seu, sou eu, embora até o presente tenha me associado aos sacrílegos.
Seu, sou eu, não obstante os laços que me puxam para o abismo.
Mesmo querendo fugir, sinto-me forçado a servi-lo.
Eu quero Te conhecer, desconhecido.
Tu, que me penetras a alma e, qual turbilhão, invades a minha vida.
Tu, o incompreensível, mas meu semelhante, quero Te conhecer,
quero servir só a Ti.

Refletindo sobre estes profundos anseios do coração humano, John Stott, no seu livro  Ouça o Espírito, Ouça o Mundo (ABU editora, SP), nos apresenta uma síntese de sua compreensão dos principais anseios contemporâneos expressos em três buscas fundamentais: a busca por transcendência, a busca por sentido, e a busca por comunidade.
A busca por transcendência é a procura por uma realidade última, algo que de significado permanente a vida. Os sinais desta busca podem ser vistos nos efeitos provocados pela incapacidade das ideologias humanas e entregar o que prometem, pelo vazio de uma vida centrada no consumo (característica do materialismo ocidental), pelo uso universal das drogas, pela ressacralização do mundo, com uma espiritualidade sem verdade.
Outra dimensão desta jornada existencial é a busca por sentido.  O cineasta russo Andrei Tarkovski apresenta a cilada em que o Homem moderno se encontra da seguinte maneira:
“O que testemunhamos, no momento é o declínio do espiritual, enquanto o material já se tornou há muito tempo um organismo dotado de uma corrente sangüínea própria, e passou a constituir o fundamento de nossas vidas, cada vez mais paralisadas e esclerosadas. Está claro a todos que o progresso material em si não faz ninguém feliz, mas nem por isso paramos de multiplicar freneticamente suas conquistas”. (Esculpir o Tempo -Tarkovski: 281)

O último grande desafio, é a busca por comunidade. Não somos Ilhas, e a tarefa mais difícil neste contexto de desintegração social é tornar possível as relações humanas.
“No mundo de hoje, porém, as relações pessoais fundamentam-se quase que exclusivamente na ânsia de nos apropriarmos de tanto quanto for possível daquilo que pertence ao próximo, ao mesmo tempo que defendemos com unhas e dentes os nossos próprios interesses. O paradoxo de tal situação é que quanto mais humilhamos nosso semelhante, menos satisfeitos nos sentimos e maior se torna o nosso isolamento”.(Esculpir o Tempo- Tarkovski:280)

Na busca por transcendência o Ser Humano procura Deus, na busca por sentido o Ser Humano procura a si mesmo, na busca por comunidade o Ser Humano procura pelo vizinho. Diante destes desafios e possibilidades, como a nossa vida espiritual, de filhos e herdeiros de Deus, em cujo coração habita o Espírito Santo nos capacita para responder a estes anseios? 
Andrei Tarkovski, que era cristão, olhando para o testemunho cristão de seu tempo afirmou: 
“Nem mesmo a Igreja é capaz de satisfazer essa sede de Absoluto que caracteriza o homem, pois, infelizmente ela só existe como uma espécie de apêndice, copiando ou, até mesmo, caricaturando as instituições sociais que organizam nossa vida/.../ a Igreja não parece nem um pouco capaz de restabelecer o equilíbrio através do apelo a um despertar espiritual (Tarkovski:284).
Estaria a análise de Tarkovski correta? Se ele visitasse nossa igreja, ele teria motivos para rever sua posição? Se ele pudesse andar um tempo contigo, comigo, ele encontraria algo capaz de responder a este apelo por transcendência, por sentido e por comunidade? Quais são as implicações para o testemunho cristão quando a igreja se encontra numa situação na qual o apóstolo pergunta...” por que desejam voltar atrás e tornar-se novamente escravos dos frágeis e inúteis princípios básicos deste mundo?” (Gl 4:9). Como podemos relacionar estas buscas e anseios do coração humano, com as palavras do apóstolo Paulo aos Gálatas (4: 4-7)?

“ Mas, quando chegou o tempo certo, Deus enviou seu Filho, nascido de uma mulher e sob a lei.  Assim o fez para resgatar a nós que estávamos sob a lei, a fim de nos adotar como seus filhos.  E, porque nós somos[a] seus filhos, Deus enviou ao nosso coração o Espírito de seu Filho, e por meio dele clamamos: “Aba, Pai”. Agora você já não é escravo, mas filho de Deus. E, uma vez que é filho, Deus o tornou herdeiro dele.

Sugiro que vocês imprimam esta pastoral e a levem para o seu tempo de oração e reflexão. Talvez, este exercício, possa prepará-los para a próxima conversa que vocês terão. Onde a condição de filho, herdeiro, com o coração cheio do Espírito Santo, possa ajuda-los a compartilhar esperança com alguém, que esteja lutando com suas buscas, a clamar, pelo Espírito: Aba, Pai!
Antes do meu abraço, revelo aqui o autor da oração; Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900), filósofo alemão que, entre os muitos temas que estudou, declarou a morte de Deus. Esta poesia foi retirada do livro Tempo de Transcendência, escrito por Leonardo Boff (Editora: Sextante, 2000) Pg:84/85

Um forte abraço da equipe pastoral

Ziel Machado