Palavra Pastoral IMeL Saúde 114

23 de Abril de 2022

SIMPLIFICAÇÃO DA VIDA
De Thomas R. Kelly – A Testament of Devotion – Nova Iorque: Harper and Brother, 1941)
1ª parte
O problema que examinaremos hoje carece de pouca introdução. Nossas vidas na cidade moderna tornam-se demasiado complexas e cheias. Mesmo as obrigações que consideramos absolutamente necessárias, aumentam a cada dia, e quando percebemos, já estamos sobrecarregados de reuniões, cansados e apressados, cumprindo ofegantes uma roda viva de compromissos. Somos muito ocupados para sermos boas esposas para nossos maridos, bons maridos para nossas esposas, bons pais para nossos filhos, e bons amigos para os nossos amigos, e não temos tempo algum para sermos amigos daqueles que não tem amigos. Mas se nos retiramos desses compromissos para passarmos algumas horas com a família, as responsabilidades da cidadania sussurram no nosso ouvido e perturbam o nosso sossego. As escolas dos nosso filhos exigem o nosso interesse, os problemas da comunidade merecem nossa atenção; as questões mais amplas da nação e do mundo pesam sobre nós. Nosso status profissional, obrigações sociais, participação em tal ou qual organização muito importante - tudo isso reivindica nosso tempo. Com uma finalidade frenética, tentamos cumprir o mínimo aceitável de compromissos, mas vivemos esgotados e exaustos. Reconhecemos e lamentamos o fato de que nossa vida está se esvaindo, dando-nos tão pouco da Paz, gozo e serenidade que pensamos que deverá proporcionar a uma alma superior. Os momentos para as profundezas do silêncio do coração parecem tão raros. Com uma tristeza culposa adiamos para a semana que vem aquela vida mais profunda de serenidade inabalável na Santa Presença, onde sabemos que está o nosso verdadeiro lar, porque esta semana está muito cheia.
Sugiro, em primeiro lugar, que estamos dando uma explicação falsa da complexidade de nossas vidas. Culpamos o ambiente complexo. Nossa vida complexa, dizemos, é devido ao mundo complexo em que vivemos, que nos proporciona mais estímulos por hora que os nossos avós recebiam por dia. Essa explicação em termos de ordem exterior nos leva às vezes a ansiar pela vida de uma tranquila ilha do Pacífico, ou então pela existência lenta e bucólica dos nosso bisavós. Mas posso assegurar-lhe: experimentei por um ano a vida de uma ilha do Pacífico, e descobri que os ocidentais levam para lá a mesma existência impulsiva e febril que já possuíam. A complexidade do nosso programa não é devido à complexidade do nosso ambiente, e nem à simplificação da vida seguirá a simplificação do ambiente. Confesso que sofri terrivelmente naquele ano no Havaí, porque em alguns aspectos o ambiente era simples demais.
Nós ocidentais tendemos a pensar que nossos problemas são externos, ambientais. Não somos experimentados na vida interior, onde estão as verdadeiras raízes do nosso problema. Quero sugerir que a real explicação para a complexidade do nosso programa seja interior e não exterior. As distrações exteriores dos nossos interesses refletem a falta interior de integração das nossas vidas. Queremos ser vários egos ao mesmo tempo, sem que todos esses egos estejam organizados por uma única e soberana Vida dentro de nós. Todos nós temos a tendência de ser, não um único ego, mas todo um comitê de egos. Há o ego cívico, o ego paterno, o ego financeiro, o ego religioso, o ego  profissional, e ego literário. E cada um desses egos, por sua vez é um franco individualista, não cooperando, mas votando aos berros em si mesmo quando chega a hora da votação. Muitas vezes seguimos o método eleitoral para chegar a uma rápida decisão entre as nossas vozes interiores conflitantes. É como se tivéssemos um presidente do comitê, que não integra os muitos egos, mas apenas conta os votos e deixa minorias descontentes. As reclamações de cada ego deixam de ser feitas. Se aceitamos servir na comissão de uma obra social, continuamos sentir remorso por não podermos também ensinar na Igreja. Não somos integrados: somos angustiados. Sentimos o clamor de muitas obrigações e tentamos cumpri-las todas.
E, no entanto, somos infelizes, receosos, tensos e oprimidos, com medo de sermos superficiais. Pois, desde além das margens da vida vem um sussurro, um apelo indistinto, um presságio de uma vida rica que estamos deixando escapar. Contorcidos pelo ritmo louco dos nossos afazeres, somos ainda por cima incomodados por uma inquietação interior, pois não deixamos de receber intimações da existência de um estilo de vida muito mais rico e profundo do que toda nossa pressa, uma vida de serenidade, paz e poder. Ah! Se pudéssemos descobrir o silêncio que é a fonte do som! Conhecemos algumas pessoas que parecem ter descoberto esse Centro profundo, onde os clamores insistentes da vida são integrados, onde o “não”, tanto quanto o “sim” podem ser ditos com confiança. Já vimos vidas assim, integradas, tranqüilas no meio de decisões difíceis, vida alegres, vigorosas, positivas. Não são pessoas preguiçosas ou vadias, nem obviamente absortas em profundas meditações; estão carregando um fardo tão pesado quanto o nosso, mas com um passo leve, sem abatimento nem irritação. Sua vida cotidiana é cercada por uma auréola de infinita paz, poder e júbilo. Nós somos tão tensos e inquietos; eles tão equilibrados e em paz.
Se a sociedade de Amigos (os Quakers) tem algo a dizer, é principalmente nesta área. A vida deve ser vivida a partir de um Centro, o Centro Divino. Cada um de nós é capaz de viver uma vida de estupendo poder e paz e serenidade, de integração e confiança e multiplicidade simplificada sob uma condição: que realmente queiramos isto. Há em todos nós um abismo divino, com um Centro infinito, um coração, uma Vida que fala em nós e através de nós para o mundo. Todos já ouvimos este sussurro Santo. As vezes, seguimos o sussurro, e produz-se em nós um espantoso equilíbrio de vida, uma estupenda eficácia. Mas muitos de nós atendemos a esta  voz apenas esporadicamente. Só de vez em quando submetemo-nos à sua santa orientação. Não temos considerado esta coisa santa em nós como a coisa mais preciosa do mundo. Não temos aberto mão de tudo mais, para atendermos a ela somente. Repito: a maioria de nós não tem abandonado todas as outras coisas para poder atender ao Santo que está em nós. (continua)