Palavra Pastoral IMeL Saúde 187

23 de Setembro de 2023

Santa Ceia e os desafios da missão cristã

Neste próximo domingo vamos celebrar a Ceia do Senhor. Um momento muito especial de nossa vida cristã. A ceia é uma ordenança do Senhor, assim como o batismo. A Igreja Metodista Livre, conforme registra o nosso Livro de Disciplina, afirma que a Ceia é: “um sacramento de nossa redenção pela morte de Cristo. Aos que a recebem de maneira correta e digna, com fé, o pão que partimos é uma participação no corpo de Cristo; e igualmente o cálice da benção é uma participação no sangue de Cristo. A ceia é também um sinal do amor e da unidade que os cristãos têm entre si”. 

A ceia tem um profundo significado para a igreja cristã, ela ocupa um lugar importante na proclamação do Evangelho, como nos lembra o apóstolo Paulo em 1 Coríntios 11. 26: “Porque cada vez que vocês comem desse pão e bebem desse cálice, anunciam a morte do Senhor até que ele venha”.  Assim sendo, nossa participação na ceia é um testemunho de nossa fé, da confiança que temos no sacrifício de Jesus Cristo em nosso lugar (morte vicária), e em nosso favor (morte substitutiva). Uma afirmação de que cremos na sua ressurreição do Senhor Jesus e que aguardamos o seu retorno. É isso que proclamamos cada vez que participamos da Santa Ceia.

No livro Ouça o Espírito, Ouça o Mundo (ABU editora, SP), John Stott nos apresenta uma síntese de sua compreensão dos principais desafios contemporâneos para a fé cristã, expressos em três buscas humanas fundamentais: a busca por transcendência, a busca por sentido, e a busca por comunidade. Ele faz uma observação importante sobre a dimensão de resposta a estes desafios, presentes no significado da Santa Ceia.

Ele diz que na busca por transcendência o ser humano procura por uma realidade última, algo que de significado permanente a vida.  Afirma que os sinais desta busca podem ser vistos, entre outras coisas, nos efeitos provocados pela queda do muro de Berlim e a crise de paradigmas resultante, pelo vazio de uma vida centrada no consumo (característica do materialismo ocidental), pelo uso universal das drogas, e pela ressacralização do mundo (expresso por uma espiritualidade sem verdade). Afirma que esta situação desafia a vida de adoração da Igreja de Cristo. Ele aponta para a realidade de uma vida de adoração marcada por um ritualismo sem realidade, pelo formalismo sem poder, por uma euforia sem temor e uma religiosidade sem Deus.  

Diante deste quadro os desafios para a igreja, esta comunidade que nasce em torno da mesa do Senhor seria: resgatar a prioridade da leitura e pregação da Bíblia; resgatar a celebração da Ceia; resgatar a vida de adoração (solitude, silêncio e oração). Portanto a Ceia não é um rito cristão que se limita a trazer a memória um evento passado, ela tem uma dimensão presente (somos uma igreja em missão), e uma dimensão futura pois, proclamamos O Senhor Jesus Cristo e o seu Reino, até que ele venha. 

Outra dimensão desta jornada existencial é a busca por sentido. Os indicativos desta busca por sentido, podem ser vistos no lado sombrio do avanço tecnológico, quando o mesmo “coisifica” e desumaniza o ser humano, no reducionismo científico quando trata da questão da verdade, e no abalo ao senso de sentido provocado pelo existencialismo (onde não existe Deus, não há mais valores, ideais, leis morais, propósito e sentido). Neste ponto o desafio para a Igreja está na qualidade de seu ensino. A importância de resgatar temas como; visão bíblica da História, Antropologia Bíblica, Pecado, Depravação, Dignidade e a Teologia da Criação.

O último grande desafio, é a busca por comunidade. Não somos Ilhas, e a tarefa, mais difícil neste contexto de desintegração social, é tornar possível as relações humanas. O cineasta russo Andrei Tarkovski expressou desta forma este anseio:

 “No mundo de hoje, porém, as relações pessoais fundamentam-se quase que exclusivamente na ânsia de nos apropriarmos de tanto quanto for possível daquilo que pertence ao próximo, ao mesmo tempo que defendemos com unhas e dentes os nossos próprios interesses. O paradoxo de tal situação é que quanto mais humilhamos nosso semelhante, menos satisfeitos nos sentimos e maior se torna o nosso isolamento”.

Para a Igreja o desafio está na qualidade da vida em comunhão. Precisamos construir modelos de Igreja onde as barreiras que impeçam a verdadeira comunhão sejam quebradas, onde as pessoas possam experimentar relações significativas, num ambiente acolhedor sentindo-se aceitas e amadas. Uma comunidade que nasce em torno da mesa do Senhor, reconhecendo quem de fato somos, quem de fato é o Senhor Jesus Cristo, confiando na sua obra completa de salvação. 

 Na busca por transcendência o Ser Humano procura Deus, na busca por sentido o Ser Humano procura a si mesmo, na busca por comunidade o Ser Humano procura pelo vizinho. 

Diante destes desafios como nos encontramos como Igreja? Tarkovski, o cineasta russo, foi um crítico da igreja de seu tempo. Ele disse:

“Nem mesmo a Igreja é capaz de satisfazer essa sede de Absoluto que caracteriza o homem, pois, infelizmente ela só existe como uma espécie de apêndice, copiando ou, até mesmo, caricaturando as instituições sociais que organizam nossa vida/.../ a Igreja não parece nem um pouco capaz de restabelecer o equilíbrio através do apelo a um despertar espiritual”.

Se Tarkovski viesse participar conosco neste culto de domingo, e tomasse a decisão de ficar um tempo conosco, vivendo em nossa comunidade, nos vendo ao redor da Mesa do Senhor, ele encontraria algo capaz de responder a este apelo por transcendência, sentido e comunidade? 

Como nos aproximamos da Mesa do Senhor? O que fazemos com o privilégio de poder participar desta mesa? Que tipo de comunidade estamos construindo ao redor desta mesa? Que relação existe entre nossa participação na Mesa do Senhor com a missão que somos chamados, por Deus, a participar?

Que o privilégio de participar desta mesa transforme, todas as nossas mesas, em um espaço de encontro, onde todos os que buscam por transcendência, significado e comunidade encontre em nossas mesas o próprio Senhor Jesus Cristo, e juntos possamos dizer: “Fui crucificado com Cristo; assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. Portanto, vivo neste corpo terreno pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”. Gálatas 2:20

 Ziel Machado