Palavra Pastoral IMeL Saúde 108

12 de Março de 2022

Unicórnios e manchas na parede: maneiras de ver a realidade

Nesses tempos tão polarizados que vivemos, compartilho duas histórias que de alguma maneira têm me ajudado a reconhecer que trago comigo noções preconcebidas do mundo, e que elas influenciam a maneira como vejo os fatos, como interajo com outros e com o que acontece ao meu redor. A primeira foi narrada pelo escritor Umberto Eco:

“Em seu caminho de volta para casa, em Java, ele [Marco Polo] viu alguns animais que se assemelhavam a unicórnios, já que tinham um único chifre em seus focinhos. E porque toda uma tradição o tinha preparado para ver unicórnios, ele identificou esses animais como unicórnios. Mas como ele era ingênuo e honesto, ele não podia deixar de dizer a verdade. E a verdade é que os unicórnios que ele viu eram muito diferentes daqueles representados por uma tradição milenar(...). Na verdade, o que Marco Polo viu foram rinocerontes. Não se pode dizer que ele mentiu (...) pois na impossibilidade de falar do desconhecido, ele só podia se referir ao que já conhecia ou esperava encontrar. Ele foi uma vítima de suas noções preconcebidas do mundo derivadas de sua tradição cultural.” 

A segunda é uma história de família, que minha mãe me contou. A casa da minha avó estava em obras, o que a deixava irritada com toda a sujeira e a bagunça. Um dia ela viu uma marca de sujeira na parede e começou a reclamar: “Esses pedreiros sujam tudo! Assim não é possível!” Minha mãe então lhe respondeu: “Mas não foram os pedreiros, essa é a mãozinha da Bia.” Bia era sua netinha, minha irmã, na época com uns 3 anos. A reação imediata da minha avó ao ouvir sobre a autoria da arte foi: “Que gracinha!” A mesma marca na parede, mas diferentes perspectivas e reações à mesma realidade.

Um detalhe não menos importante: os fatos não mudam! Rinocerontes vão sempre ser rinocerontes e a mancha na parede continua ali, independente de quem tenha sido o autor ou autora. Mas a maneira como eu leio a realidade e como me relaciono com os demais, essa sim muda. É preciso perceber e rever meus preconceitos e como estes influenciam minha maneira de ler a realidade e a maneira como me relaciono com outros. 

Ruth Borges