Palavra Pastoral IMeL Saúde 110
26 de Março de 2022
Ziel Machado nos compartilha nesse e no próximo domingo uma reflexão sobre a Quaresma.
Quaresma: fazendo as pazes com nossa fragilidade (Parte 1)
Fragmentos do texto de Mia Kafieris – Whitley College, Austrália
Hoje é o dia no qual consigo reconhecer que não sou forte, não sou perfeita, que estou machucada, tenho medo, estou triste, tenho dúvidas, me sinto pequena, que não sou uma pessoa de habilidades ou competências ilimitadas, e que, sem dúvida, não está tudo bem. O dia de reconhecer que eu preciso de Deus.
A gente gasta tempo demais se mostrando de um jeito, garantindo que parecemos com aquilo que gostaríamos que vissem em nós; nos expressando da maneira que gostaríamos de ter vivido as coisas; cuidadosamente construindo força e cobrindo fraquezas; nem sempre por vergonha ou constrangimento, mas geralmente como mecanismos de defesa que criamos pelo medo de se aproveitarem de nós, autoridades que nos invalidarão se nossas falhas ou defeitos estiverem à mostra.
Assim, construímos nossos segredos, afiamos nossos intelectos, polimos nosso discurso, praticamos falas positivas para conservar nossa coragem, encaramos desafios e buscamos responder às dificuldades com perseverança. E isso pode ser exaustivo. A Quaresma são 40 dias de lembrar que você é pó, e ao pó voltará. A realidade que escolho levar comigo enquanto vivo os dias de preparação para a Páscoa. A Quaresma é a longa caminhada do calendário que traz um sentido pleno ao destino da morte e ressureição de Cristo. E agradeço a Deus por ser uma longa jornada, um período de 40 dias.
Desde o começo, as cinzas nos lembram de nossa mortalidade, que Deus nos formou do pó, que Ele soprou em nós e, como resultado, nos tornamos seres viventes (Gênesis 2:7). Quando Deus se encontra com cinzas e pó, Ele respira e sopra nelas, e vida nasce. É por isso que as Escrituras nos contam diversas vezes que, sempre que o povo estava em seus momentos mais quebrados, vulneráveis, destroçados e em desespero, sentavam-se sobre cinzas e amontoavam-nas sobre suas cabeças, como uma maneira simbólica de reconhecer que, se Deus não soprasse sobre eles, não soprasse em suas circunstâncias e experiências, então, não sobraria vida para ser vivida.
A Quaresma é a temporada para se dedicar a desmoronar: de rasgar as vestes, colocar cinzas sobre a cabeça, de cobrir o rosto e clamar... Jó sentou-se sobre cinzas quando perdeu sua família; Davi fez o mesmo quando perdeu seu filho, assim como Daniel em favor de uma Israel rebelde, Jeremias em uma Jerusalém dizimada e Tamar durante um momento disfuncional de sua família.
Essas cinzas são declarações públicas a Deus que “Eu não estou bem”, “Eu preciso de você, Senhor”, “Deus, ajude-me!”. Geralmente, o reconhecimento de que “não está tudo bem” vem associado à nossa própria prática errada das coisas e à inabilidade de viver como gostaríamos. Não vai sobrar vida para ser vivida por mim se eu continuar dessa maneira: eu preciso que Deus sopre vida em mim e me tire desse lugar.
As cinzas marcam o início da Quaresma pois essa é a atitude de alguém que consegue reconhecer a importância da Páscoa e que começa a reconhecer e valorizar a dádiva da redenção que Deus promove por meio de Jesus. Se chegássemos na Sexta-Feira Santa prontos para celebrar a Páscoa, sem termos nos preparado ou não tendo reconhecido nossa necessidade de Deus, não seríamos capazes de apreciar e dar valor ao que alegamos estar celebrando. As cinzas suplicam que façamos as pazes com nossa fragilidade como um modo melhor de acolhermos o amor, a pessoa e a presença de Deus, algo que desesperadamente sabemos e admitimos ter necessidade.
Esse processo não é imediato e, por isso, um período de 40 dias nos dá a oportunidade de esperar e ponderar, de pensar, chorar, antecipar e nos preparar para receber o sopro de Deus em nós, mais do que conseguimos imaginar; vida, e vida em abundância.